DIFERENTES, NÃO DESIGUAIS UMA LUTA DE CLASSES
Companheiras e companheiros
Estamos realizando nossa 2ª Plenária Nacional no ano de 2009 e nesses 3 anos de existência podemos afirmar que a Intersindical é hoje referencia para uma parcela importante da nossa classe, mas isso está longe de ser o suficiente para as enormes tarefas que temos pela frente.
Não foi pouco o que fizemos até aqui. Fomos capazes de subverter a ordem, não escolhemos os caminhos mais fáceis, fizemos a auto-crítica necessária, negamos a receita mecânica que impõe a necessidade de se estabelecer em aparelhos a revelia do movimento da classe. Estamos empenhados a dar o salto de qualidade e retomar uma ação do conjunto da classe.
Voltamos a estudar, a ler a realidade para além da sua forma e buscar seu conteúdo, restabelecemos a solidariedade ativa da classe.
A tarefa principal é estar junto com a classe onde o ataque do Capital acontece. Isso significa dizer que é preciso aprofundar nossa organização nos locais de trabalho, formais e informais, nos espaços também onde a classe trabalhadora também vive outras formas da ação do Estado, ou seja, na moradia, nas escolas, saúde etc.
Mas também é preciso ao olhar para nossa classe, saber olhar as diferenças que nos formam. Somos mulheres, homens, negros, brancos, vermelhos, amarelos. Nosso sexo e nossa cor somente nos fazem diferentes, mas ao longo da história as mais diversas sociedades economicamente dominantes se utilizaram da diferença para nos tornar desiguais.
Mais do que entender, é preciso nesse novo ciclo que se inicia mudar a forma em como tratar essa discussão. Portanto, essa é uma contribuição ao debate que a Intersindical deve fazer. Esse texto não terá como proposta simplesmente a criação de um Coletivo de Mulheres Trabalhadoras, mas sim o inicio de uma reflexão e uma proposta de ação que vá além do que conseguimos construir nessas últimas duas décadas.
Dito isso vamos lá:
Esse texto não irá repetir os dados do IBGE, do DIEESE ou do IPEA, sobre as desigualdades colocadas para mulheres e homens trabalhadores, os dados simplesmente oscilam, mas mantêm a constatação que a desigualdade na sociedade de classes cresce:
- Mulheres nas mesmas funções que os homens recebendo salários inferiores;
- Mulheres negras recebendo menos que as brancas que recebem menos que os homens;
- A dupla jornada de trabalho e no caso daquelas que ousam a lutar a tripla jornada, ainda é um fardo das mulheres.
- O trabalho desprovido de qualquer necessidade do intelecto e, na maior parte das vezes, repetitivo, intenso e cercado de vigilância, tem como alvo preferencial as trabalhadoras.
- A violência física e, portanto, declarada; ou então a violência oculta nas ofensas, humilhações continua tendo as mulheres como principal alvo.
- O aborto clandestino que mata milhares de mulheres pobres e trabalhadoras, o Estado e a Igreja que criminaliza essas mulheres que o praticam, mas que o “libera” para as mulheres ricas que o fazem com segurança nas clínicas que cobram pela prática no mínimo 3 mil reais.
A reprodução e manutenção da vida, uma tarefa imposta às mulheres
A desigualdade construída socialmente e imposta às mulheres e homens, sabemos não nasce com o Capital, já serviu de instrumento de opressão em outras formas de sociedade, mas também sabemos como essa sociedade capitalista soube utilizar desse importante instrumento de submissão, opressão, para aumentar a exploração do conjunto da classe trabalhadora.
Na divisão sexual do trabalho, além das diferenças colocadas nos locais de trabalho, salário e funções, o serviço doméstico também é um importante instrumento do Capital que garante a reprodução e a manutenção da força de trabalho a ser explorada no processo de produção de valor.
São as mulheres que vão parir novos seres humanos, que foram criados com a participação de ambos os sexos, mas por uma imposição cultural construída socialmente são as mulheres que cuidarão desses novos seres humanos.
Curto e grosso os cuidados com as crianças, nessa sociedade capitalista é uma tarefa designada às mulheres e os homens que assumem essa tarefa ou “ajudam” são considerados exemplos de sensibilidade, solidariedade, pois a ideologia impregnada na cabeça de nossa classe libera os homens dessa tarefa.
Portanto, somos responsáveis pela reprodução da vida, mas também por sua manutenção.
Assim aqueles cuidados com a casa, a comida, a roupa são tarefas das trabalhadoras que senão trabalham também fora de casa, são consideradas “do lar” como se fossem uma extensão do fogão e do tanque. Mais uma vez os homens podem no limite dividir as tarefas ou fazer parte delas para “ajudar” as mulheres. As palavras como sabemos são carregadas de conteúdo, o “ajudar” significa ali não reconhecer a tarefa como sua, mas sim do outro.
A manutenção da força de trabalho é um trabalho exercido pelas mulheres e não remunerado pelo Capital, ou seja, os homens e as mulheres que são explorados no dia a(dia no processo de criação de valor, podem se alimentar e, portanto, estar em condições de continuarem a ser explorados graças ao trabalho de uma mulher que exerce esse serviço no espaço privado do lar. E sabemos que nos dias de hoje é gigantesco o número daquelas que são exploradas pelo capital durante uma determinada jornada e que depois disso continuarão a serviço do Capital num outro tipo de trabalho, o doméstico.
Imaginem uma greve das “do lar” (o que já ocorreu): “Hoje não lavamos, não cozinhamos, não cuidamos das crianças e nessa sociedade onde o sexo cada vez mais é menos prazer, também não transamos”. Não seria pequeno o estrago para o Capital!
Por isso a luta é por desconstruir a ideologia imposta de que o serviço doméstico é uma tarefa das mulheres e construir uma nova consciência social onde mulheres e homens se coloquem em movimento para exigir espaços coletivos como creches e lavanderias, mantidas pelo Capital e seu Estado. Isso é apenas um pequeno passo que pode diminuir o peso do enfadonho e interminável serviço doméstico, mas que ainda não acabará com essa tarefa que se mantém na forma como se organiza essa sociedade nos espaços privados da família burguesa.
Do que parece particular para o geral das lutas da classe
Por mais que se fale nos nossos espaços militantes da necessidade de generalizar a luta das trabalhadoras, isso fica muito mais num recurso de retórica do que de fato uma ação concreta.
É a contradição que vivemos no cotidiano de nossas demandas, pois se constatamos que o salário menor, as funções diferenciadas, as humilhações nos local de trabalho impostas às trabalhadoras, atendem a necessidades do Capital, deveríamos então enfrentar o que na aparência é um ataque específico, mas que em seu conteúdo atinge o conjunto da nossa classe.
Alguns avanços isolados, mas importantes existem. Na Campanha Salarial dos Metalúrgicos de Campinas, Limeira, Santos e São José dos Campos a pauta de reivindicação trata também de demandas que não deveriam ser específicas, mas são.
No ano de 2009 se ampliou na convenção coletiva desses Sindicatos a licença maternidade e paternidade, além da estabilidade para mãe adotante e para mulheres que sofreram aborto.
Mas ainda no geral de nossa classe, existem locais de trabalho onde as trabalhadoras têm controlada a ida ao banheiro, lugares onde só são contratadas se mostrarem laudo que comprove laqueadura.
O exemplo dos metalúrgicos e metalúrgicas nos mostra que é possível, numa campanha salarial, tratar das especificidades como questões gerais, mas isso é um pequeno passo, importante, mas ainda pequeno.
Se olharmos para o processo de produção, são cada vez mais jovens os trabalhadores que vendem a sua força de trabalho nas fábricas dos mais diversos ramos e se olharmos para determinados setores como o eletroeletrônico, telemarketing, vestuário, farmacêutico, químico, vidros, no setor de criação de peças pequenas e delicadas, vamos ver jovens mulheres trabalhadoras. São elas também que estão na maior parte dos serviços públicos: ensino, previdência, saúde.
Portanto, é preciso olhar para classe em sua totalidade, saber que o processo de exploração atinge mulheres e homens, mas que as mulheres são ainda mais exploradas e que isso serve a uma estratégia do Capital. Ao submeter às trabalhadoras, consegue também comprimir o salário e reduzir os direitos dos trabalhadores. Assim transformar o específico no geral é subverter a ordem imposta pelo Capital.
A desigualdade se impõe também em nossos espaços de organização da luta
Como falamos no inicio dessa contribuição, a luta das mulheres trabalhadoras não pode ser feita como fazem alguns grupos feministas: como uma luta contra os homens trabalhadores de nossa classe. Isso não quer dizer que não há uma batalha a ser enfrentada também nos nossos espaços, pois nossos companheiros foram criados e educados por essa sociedade que se utiliza do machismo como ferramenta útil para manter a desigualdade de gênero e classe.
Essa desigualdade se manifesta de diversas formas: o avanço de vários estatutos garantirem a cota mínima de 30% para mulheres nas direções, tem se transformado em vários momentos, chegada a hora das eleições, num fardo para se cumprir a cota ou um mínimo de participação das mulheres.
Em parte considerável do movimento essas ações estão nos anais das resoluções dos Congressos que são sempre novamente reafirmadas, mas que durante os mandatos muito pouco ou nada se faz para garantir que as trabalhadoras comecem a participar ativamente do movimento.
E quando essas mulheres se tornam diretoras, na maioria das vezes são delegadas às tarefas específicas de gênero ou saúde do trabalhador, como se fosse essa questão também específica e não enfrentada por todos trabalhadores.
Mas quando essas diretoras se tornam dirigentes e não organizam só as demandas específicas e começam a organizar o conjunto da classe?
Aí os problemas dobram. Viram-se contra essas mulheres, outras mulheres que pensam a luta feminista como um espaço onde é possível abstrair o Capital, acusam as mulheres que vão ao conjunto da classe trabalhadora de abandonar as demandas de gênero quando essas colocam essa luta no plano do concreto.
Viram-se também contra essas mulheres os homens que, como já dissemos impregnados da cultura machista, sentem-se ameaçados das formas mais diferentes, do espaço que ocupam até a hipótese impensável para muitos de serem dirigidos em determinados momentos por mulheres.
Entre as mulheres, as diferenças elencadas acima são mais escancaradas. Mas com os homens é diferente. Ao não enfrentar o medo ou a disputa que também se mostra ora escancarada, ora velada, e que são construídos socialmente, o que sobra é o desrespeito que se mostra ou se oculta em nossas relações entre militantes.
Falamos aqui do que acontece com os homens de nossa classe nos espaços comuns da militância, mas também podemos afirmar que nas relações pessoais o machismo se faz presente. Ainda existe o militante que “se acha” nos espaços do movimento e que ao chegar em casa é o macho autoritário dentro do espaço privado da família. Por diversas vezes esse mesmo militante que “se acha”, também acha que o movimento é o espaço da “pegação”.
Mas também nesse espaço comum do movimento da classe, não sendo regra, mas acontecendo em vários momentos as mulheres para afirmar o direito sobre o próprio corpo, a própria vida e as especificidades, também descambam para um sectarismo onde tudo passa a ser ataque contra as questões de gênero ou assedio dos mais diversos tipos.
Por isso aqueles e aquelas que mais do que querer, trabalham, lutam por destruir essa sociedade de classes, precisam ter consigo a compreensão que uma nova sociedade socialista trará ainda o machismo construído na sociedade passada. Nessa nova sociedade além de todas as tarefas que trazem uma revolução, construir novas relações e uma nova consciência social são tarefas das mais importantes.
Enquanto estamos aqui nessa sociedade, que nos faz desiguais para aumentar o grau de exploração do conjunto da classe, precisamos exercitar não de maneira retórica, mas como necessidade essas novas relações.
Sermos homens e mulheres unitários e coerentes com o que elaboram, defendem e fazem, inscritos para contribuir para o próximo ascenso da classe. Que possam viver de fato em todos os espaços o que defendem nas greves, nos enfrentamentos e nas lutas contra o Capital e seu Estado.
Na Intersindical, não vamos ser uma parte, vamos ser parte do todo.
A aparência ou a forma sempre tentam ocultar o movimento real das coisas. Parece, por exemplo, ser muito difícil a luta dos grupos específicos sobre gênero, etnia, GLTB, entre outros. Isolados, secundarizados nos movimentos, levando sua luta por diversas vezes solitária, de fato é uma luta muito difícil. Mas é muito mais difícil se colocar em movimento para que essas demandas sejam incorporadas nos espaços gerais da classe trabalhadora. Entre garantir um espaço onde o específico possa ser a única evidência ou enfrentar que o específico seja enxergado no geral, muitos preferem a primeira opção.
Como estamos, mesmo que com muita dificuldade, mas também com muita firmeza dentro da Intersindical subvertendo a ordem do senso comum militante, também queremos subverter a ordem de como tratar o que até aqui foi tratado como Política Permanente dentro do movimento. Uma política permanente a ser lembrada em cada congresso, plenária ou seminário e que na ausência desses momentos, passa a ser colocada no gueto.
Para acumular as demandas um Coletivo pode e deve ser criado dentro da Intersindical, que reúna homens e mulheres que possam dar um pedaço de seu tempo para trazer o específico da luta das mulheres trabalhadoras para o geral.
Esse Coletivo será formado por companheiros e companheiras que possam também estar presentes (numa forma de rodízio) nas reuniões da Coordenação da Intersindical.
Para entender a opressão, vale nosso lema: “Quem sabe mais luta melhor”, por isso dentro do nosso Coletivo de Formação vamos garantir formação dirigida para a base e para os e as dirigentes sobre gênero e classe.
Ousar em construir iniciativas da Intersindical, como por exemplo, um 8 de Março que não seja só a passeata de sempre e nem somente a marcha da Marcha (Marcha Mundial de Mulheres que esse ano saíra de algumas cidades do interior para capitais), mas sim construir o 8 DE MARÇO CLASSITA NOS LOCAIS DE TRABALHO.
Mapear nos estados e categorias onde estamos os locais de trabalho que mais concentram trabalhadoras e no mesmo dia propormos assembléias com atraso com o lema: SEM AS MULHERES A LUTA FICA PELA METADE. Tarefa essa assumida pelo conjunto das direções sindicais e da Intersindical.
Durante esse dia ou na semana, mas o importante é que aconteçam de maneira simultânea nos estados, a ocupação do INSS ou Ministério do Trabalho para a denuncia da ameaça aos direitos e das situações a que estão submetidas às mulheres nos locais de trabalho.
Ainda na semana do 8 de março, uma ação contra a criminalização das mulheres que praticam aborto e pela legalização do aborto.
Para organizar a atividade e agitar nos locais de trabalho um jornal nacional da Intersindical sobre as mulheres trabalhadoras.
A partir dessa plenária vamos garantir a creche em todas nossas atividades esperando que o mesmo aconteça nos sindicatos onde estamos, mas a creche deve ser o espaço para que não só as mães, mas também os pais tenham a responsabilidade de trazer os filhos.
Essa é uma contribuição inicial e necessária para que possamos, a partir dessa Plenária, garantir que também na luta das mulheres vamos subverter a ordem: muito mais do que uma luta de gênero que nos faz desiguais é uma luta de classes contra o Capital que quer nos manter desiguais. É uma luta contra o sectarismo, contra a tentativa de guetizar o específico que é uma luta geral de nossa classe. Uma luta das mulheres e dos homens desse novo ciclo, que devem lutar pela Revolução em sua totalidade.